SALGADO MARANHÃO
Curral
de sonhos
Ou
O verbo das maravilhas
Clarissa Macedo
“Salgado Maranhão é um dos mais
brilhantes poetas de sua geração”,
Ferreira Gullar
Não sabemos como todas as coisas chegam pra gente na vida. O que é
uma sorte e um espanto. Há coisas que nos chegam e se vão com a rapidez de uma
gota fina de chuva que desce à terra, outras são como o sol do sertão,
constante na alma. E assim foi a poesia de Salgado Maranhão em mim. Topamos um
dia e foi um vislumbre.
Em entrevista que fiz
com o poeta para a Verbo21, ele afirma:
“eu vivo de comer a poesia desde o dia em que a
descobri, eu nunca desejei fazer outra coisa, que não fosse embeber-me desse
delírio sagrado. De modo que, para mim, ela significa o alimento, o amor e o
alento para todas as buscas.”. E esse nutrir-se de poesia em todos os graus e
instâncias reflete-se na qualidade e veracidade de sua obra. Não me refiro a uma
veracidade pré-definitiva, com aquelas verdades decretadas como absolutas, pois
a poesia não pertence a esse domínio. Refiro-me a uma poética que tem o que
falar, que se compromete consigo mesma, e, também por isso, é tão universal.
“Pude escolher meus
caminhos”, Salgado Maranhão
Caminhos estes que tiveram a literatura de cordel, a poesia marginal e a
grande tradição poética filiada do neossimbolismo e neoparnasianismo como
direções, que, bebidas pelo poeta, forneceram-lhe estofo para seguir seu rumo e
enunciar seu canto.
“o grande poeta é aquele
que tem a sua própria voz”, Salgado Maranhão
Traçar influências e aspectos – sobretudo quando não conseguimos
identificar com precisão os fios inspiradores da costura lírica – marcantes numa
obra como a de Salgado é uma tarefa difícil, quase dispensável. Mas ao ler seu
conjunto literário, que também abarca suas composições musicais, inferimos
algumas feições que são recorrentes. Por isso, tomamos “O poeta e as coisas” – publicado originalmente no livro Palávora (1995) – para uma rápida
leitura. Tal poema, transfigurado em sua síntese, revela muito sobre o conjunto
literário do autor de Punhos da Serpente.
O transmutar, metaforizar e sublimar o mundo e a
existência por meio da palavra obtêm grande êxito na obra de Salgado. O universo
traduzido, re-significado, excedido pelos lexemas, semeia a condição de artífice
do eu lírico nos versos; é essa condição que se performatiza e se entrega. É o próprio autor quem aponta que o grande tema, por trás de
outras tantas temáticas, de A cor da
palavra, livro premiado pela Academia Brasileira de Letras em 2011, é a
tentativa de evocar a ancestralidade do verbo. Ancestralidade elementar, que extrapola
o limiar do palpável.
Em “O poeta
e as coisas”, a “notável consciência artesanal da palavra”[1] de Salgado estabelece uma convivência
concreta com a realidade, com a transcorrência do tempo, com a urgência de
escrever e a problemática disso junto à esfera do pragmatismo. Instinto e
abstração se envolvem com o prático e o tangível. Nos versos: “as
coisas querem vazar /
o poema /
em sua crosta de enredos”, o poético corre o risco, necessário,
de dar vazão aos seres e objetos que querem dar luz ao poema. Na estrofe
subsequente, os artefatos querem o lúdico da poesia, querem penetrar num reino incognoscível
de palavras: “as coisas querem habitar / o poema para serem brinquedos.”. E após esses
anseios, anunciados por um eu lírico consciente, “chove nas fibras / de alguma essência secreta e o poema rasga / a arquitetura / do poeta.”. Trazendo a correnteza da chuva, que irriga a
terra fibrosa pertencente a um território de mistério, tem-se o brotar da prole,
o filho desejado, o poema que corta, dilacera sem pudor o esmero do poeta-pai.
Os sentidos, a matéria e o espírito transcendem a
si mesmos sob o ícone da lida com o verbo. Este é o objeto maior, que ultrapassa
seu próprio sentido, criando um segundo conteúdo, um conceito novo dentro de si
mesmo, um maior e camuflado objetivo. O poema – música e alegoria corpórea – é
a epifania do eu poético, o óvulo arisco que guarda os frutos.
E é nesse
cenário cheio de maravilhas, curral de letras oníricas e homens inquietos, que
se desenham o poeta e as coisas de Salgado Maranhão, timbre inclemente, substancial.
O poeta e as coisas
as coisas querem vazar
o poema
em sua crosta de enredos,
as coisas querem habitar
o poema
para serem brinquedos.
o poema
para serem brinquedos.
chove nas
fibras
de alguma essência secreta
e o poema rasga
a arquitetura
do poeta.
de alguma essência secreta
e o poema rasga
a arquitetura
do poeta.
Entrevista por Maurício Mello Júnior:
Espaço Aberto:
Entrevista na Verbo21:
Trechos de entrevista feita por Iracy de Souza – que será
publicada integralmente num livro com previsão para este ano – na Benfazeja:
Caminhos de Sol (Composição do poeta na voz de Zizi Possi):
Livros do autor:
Ebulição da Escrivatura (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978);
Aboio
ou a Saga do Nordestino em Busca da Terra Prometida
(cordel, 1984);
Punhos da Serpente (Rio de Janeiro, Achiamé, 1989);
Palávora (Rio de Janeiro, Sette Letras, 1995);
O Beijo da Fera (Rio de Janeiro, Sette Letras, 1996) Prêmio Ribeiro Couto de 1998 (UBE);
Mural de Ventos (Rio de Janeiro, José Olímpio, 1998). Jabuti de 1999;
Sol Sanguíneo (Rio de Janeiro, Imago, 2002);
Solo de Gaveta (Rio de Janeiro, Sescrio.som, 2005);
A Pelagem da Tigra (Rio de Janeiro, Booklink, 2009);
A Cor da Palavra (Rio de Janeiro, Imago: Fundação Biblioteca Nacional, 2009). Prêmio da Academia Brasileira de Letras de 2011.
Punhos da Serpente (Rio de Janeiro, Achiamé, 1989);
Palávora (Rio de Janeiro, Sette Letras, 1995);
O Beijo da Fera (Rio de Janeiro, Sette Letras, 1996) Prêmio Ribeiro Couto de 1998 (UBE);
Mural de Ventos (Rio de Janeiro, José Olímpio, 1998). Jabuti de 1999;
Sol Sanguíneo (Rio de Janeiro, Imago, 2002);
Solo de Gaveta (Rio de Janeiro, Sescrio.som, 2005);
A Pelagem da Tigra (Rio de Janeiro, Booklink, 2009);
A Cor da Palavra (Rio de Janeiro, Imago: Fundação Biblioteca Nacional, 2009). Prêmio da Academia Brasileira de Letras de 2011.
Que belo texto, para mim um agradável convite à poesia de Salgado Maranhão. Grata, Rita.
ResponderExcluirQue alegria, Lílian! Ando perambulando as trilhas dessa poética e me identifico muito com o lirismo que ele tece. Caminhemos! Beijos!
ResponderExcluirNão li mais que alguns poemas de Salgado Maranhão, mas o texto inspirado de Clarissa Macedo é um chamado para conhecer e adentrar mesmo em sua poesia.
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