sexta-feira, 28 de março de 2014

Salgado Maranhão



          




SALGADO MARANHÃO







 











Curral de sonhos

 Ou

 O verbo das maravilhas



Clarissa Macedo









“Salgado Maranhão é um dos mais

brilhantes poetas de sua geração”,

Ferreira Gullar



Não sabemos como todas as coisas chegam pra gente na vida. O que é uma sorte e um espanto. Há coisas que nos chegam e se vão com a rapidez de uma gota fina de chuva que desce à terra, outras são como o sol do sertão, constante na alma. E assim foi a poesia de Salgado Maranhão em mim. Topamos um dia e foi um vislumbre.

  

        Em entrevista que fiz com o poeta para a Verbo21, ele afirma: “eu vivo de comer a poesia desde o dia em que a descobri, eu nunca desejei fazer outra coisa, que não fosse embeber-me desse delírio sagrado. De modo que, para mim, ela significa o alimento, o amor e o alento para todas as buscas.”. E esse nutrir-se de poesia em todos os graus e instâncias reflete-se na qualidade e veracidade de sua obra. Não me refiro a uma veracidade pré-definitiva, com aquelas verdades decretadas como absolutas, pois a poesia não pertence a esse domínio. Refiro-me a uma poética que tem o que falar, que se compromete consigo mesma, e, também por isso, é tão universal.



“Pude escolher meus caminhos”, Salgado Maranhão

           

            Caminhos estes que tiveram a literatura de cordel, a poesia marginal e a grande tradição poética filiada do neossimbolismo e neoparnasianismo como direções, que, bebidas pelo poeta, forneceram-lhe estofo para seguir seu rumo e enunciar seu canto.



“o grande poeta é aquele que tem a sua própria voz”, Salgado Maranhão



            Traçar influências e aspectos – sobretudo quando não conseguimos identificar com precisão os fios inspiradores da costura lírica – marcantes numa obra como a de Salgado é uma tarefa difícil, quase dispensável. Mas ao ler seu conjunto literário, que também abarca suas composições musicais, inferimos algumas feições que são recorrentes. Por isso, tomamos “O poeta e as coisas” – publicado originalmente no livro Palávora (1995) – para uma rápida leitura. Tal poema, transfigurado em sua síntese, revela muito sobre o conjunto literário do autor de Punhos da Serpente.



O transmutar, metaforizar e sublimar o mundo e a existência por meio da palavra obtêm grande êxito na obra de Salgado. O universo traduzido, re-significado, excedido pelos lexemas, semeia a condição de artífice do eu lírico nos versos; é essa condição que se performatiza e se entrega. É o próprio autor quem aponta que o grande tema, por trás de outras tantas temáticas, de A cor da palavra, livro premiado pela Academia Brasileira de Letras em 2011, é a tentativa de evocar a ancestralidade do verbo. Ancestralidade elementar, que extrapola o limiar do palpável.



Em “O poeta e as coisas”, a “notável consciência artesanal da palavra”[1] de Salgado estabelece uma convivência concreta com a realidade, com a transcorrência do tempo, com a urgência de escrever e a problemática disso junto à esfera do pragmatismo. Instinto e abstração se envolvem com o prático e o tangível. Nos versos: “as coisas querem vazar / o poema / em sua crosta de enredos”, o poético corre o risco, necessário, de dar vazão aos seres e objetos que querem dar luz ao poema. Na estrofe subsequente, os artefatos querem o lúdico da poesia, querem penetrar num reino incognoscível de palavras: “as coisas querem habitar / o poema para serem brinquedos.”. E após esses anseios, anunciados por um eu lírico consciente, “chove nas fibras / de alguma essência secreta e o poema rasga / a arquitetura / do poeta.”. Trazendo a correnteza da chuva, que irriga a terra fibrosa pertencente a um território de mistério, tem-se o brotar da prole, o filho desejado, o poema que corta, dilacera sem pudor o esmero do poeta-pai.



Os sentidos, a matéria e o espírito transcendem a si mesmos sob o ícone da lida com o verbo. Este é o objeto maior, que ultrapassa seu próprio sentido, criando um segundo conteúdo, um conceito novo dentro de si mesmo, um maior e camuflado objetivo. O poema – música e alegoria corpórea – é a epifania do eu poético, o óvulo arisco que guarda os frutos.



        E é nesse cenário cheio de maravilhas, curral de letras oníricas e homens inquietos, que se desenham o poeta e as coisas de Salgado Maranhão, timbre inclemente, substancial.













O poeta e as coisas


 
as coisas querem vazar 
o poema 
em sua crosta de enredos,

as coisas querem habitar 
o poema 
para serem brinquedos.

chove nas fibras 
de alguma essência secreta 
e o poema rasga 
                         a arquitetura
do poeta. 




           

Links sobre Salgado Maranhão:




Entrevista por Maurício Mello Júnior:


Espaço Aberto:




Entrevista na Verbo21:


Trechos de entrevista feita por Iracy de Souza – que será publicada integralmente num livro com previsão para este ano – na Benfazeja:


Caminhos de Sol (Composição do poeta na voz de Zizi Possi):










Livros do autor:



Ebulição da Escrivatura (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978); 

Aboio ou a Saga do Nordestino em Busca da Terra Prometida (cordel, 1984); 
Punhos da Serpente (Rio de Janeiro, Achiamé, 1989); 
Palávora (Rio de Janeiro, Sette Letras, 1995); 
O Beijo da Fera (Rio de Janeiro, Sette Letras, 1996) Prêmio Ribeiro Couto de 1998 (UBE); 
Mural de Ventos (Rio de Janeiro, José Olímpio, 1998). Jabuti de 1999;
Sol Sanguíneo (Rio de Janeiro, Imago, 2002); 
Solo de Gaveta (Rio de Janeiro, Sescrio.som, 2005); 
A Pelagem da Tigra (Rio de Janeiro, Booklink, 2009); 
A Cor da Palavra (Rio de Janeiro, Imago: Fundação Biblioteca Nacional, 2009). Prêmio da Academia Brasileira de Letras de 2011.










[1] Expressão utilizada por Jorge Wanderley.

3 comentários:

  1. Que belo texto, para mim um agradável convite à poesia de Salgado Maranhão. Grata, Rita.

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  2. Que alegria, Lílian! Ando perambulando as trilhas dessa poética e me identifico muito com o lirismo que ele tece. Caminhemos! Beijos!

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  3. Não li mais que alguns poemas de Salgado Maranhão, mas o texto inspirado de Clarissa Macedo é um chamado para conhecer e adentrar mesmo em sua poesia.

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